Acordei cedo. Meu corpo estava revigorado que conseguia sentir a energia pulsando em cada célula viva. Levantei e fui tomar uma ducha. Água gelada. Reconfortante!!
Enquanto limpava-me das impurezas noturnas algo assalta em minha mente: aonde tomar o desejum?.
Não pestanejei, iria à lanchonete da Sra. Socorro, uma idosa dos cabelos mais brancos e puros que um terrícola pode vir a admirar. Seu café e seu pão são considerados os melhores da região.
Sai do banheiro decidido. Vesti uma blusa e um short de malha fina e sai em direção ao estacionamento comunitário. Não tranquei a casa, afinal, quem teria coragem de quebrar a lei universal? Ninguém!!
Fui caminhando com passos lentos, apreciando cada objeto que aparecia na minha frente. Respirava fundo e sentia prazer em estar vivo; o regozijo não tinha fim. Um passarinho começou a cantar uma doce melodia, parei para escutar, até porque não deveria me apressar, teria tempo para fazer o que quiser.
Um senhor de aparência bastante respeitosa tirou-me do transe ao passar por mim com um sorriso sincero: - bom dia rapaz, que belo dia não é mesmo?
Retribui o sorriso e afirmei automaticamente com a cabeça. Voltei para o meu percurso. Ao chegar no estacionamento, escolhi o carro mais próximo, entrei e escutei uma voz quase inaudível: - bom dia senhor, aonde gostaria de ir? - olhei para uma pequena tela, bem na minha frente, o veículo não possuía volante, e a mesmo questionamento estava visível nela. Com alguns toques mostrei o meu destino e o carro movido a hidrogênio começou a se locomover. Minutos depois já estava na lanchonete.
Adentrei no recinto e sentei-me junto ao balcão, uma moça com um ar senhorial aproximou-se de mim e com uma gentileza sobrenatural questionou-me sobre o que gostaria de comer. Após anotado o pedido, ela deu as costas e entrou na cozinha. Dei uma olhada no ambiente e ele estava lotado. Várias pessoas conversavam animadamente, gesticulavam, riam. Todos compartilhavam os mesmos objetivos, os mesmos humores, as mesmas conclusões acerca da vida.
Quando menos percebi o meu pedido chegou. Comi devagar, saboreando cada pedaço, sentindo cada textura, cada essência. Minha boca enchia-se d'água só por sentir aqueles sabores marcantes. Após o desejum, despedi-me da garçonete que me atendeu com um longo aceno e retornei para o veículo. Logo em seguida, fui para o trabalho.
O mesmo questionamento aconteceu logo que entrei no veículo. Digitei o endereço do meu destino, escolhi uma música que estava fazendo sucesso e inclinei o banco para relaxar. Entrei em um estado de transe no percurso, a sonoridade da música fazia com que cada célula vibrasse, sentia uma onda de prazer subindo das pontas dos meus pés até o meu último fio de cabelo. Volta e meia pensava: - como os antigos conseguiram sobreviver sem essas maravilhas? - Realmente, não conseguia compreender. A evolução é magnífica.
Após 30 minutos senti o veículo desacelerar, abri os olhos e vi que havíamos chegado no complexo industrial aonde trabalhava. Sou técnico sênior de uma grande indústria que busca criar novas tecnologias para melhorar a vida no planeta Gaia (o nome Terra foi descontinuado após os acontecimentos de 2012). Nesse momento, estava trabalhando em um projeto aonde o objetivo principal seria criar uma "máquina" que restaurasse as energias do corpo humano para que conseguíssemos aproveitar mais as nossas vidas, para termos momentos de mais lazer, para sabermos o real sentido do verbo existir.
Os estudos estavam avançados e todos os envolvidos estavam otimistas quanto aos resultados. Em breve iríamos disponibilizar as nossas descobertas para toda a população de forma gratuita, afinal, moramos em um mundo onde "tudo é de todos", as novas tecnologias, alimentos, tudo era compartilhado; com exceção de objetos pessoais e moradia. Quanto ao restante, poderia ir aonde bem entender, comer o que quiser que ninguém diria não ou sequer cobraria por algo.Não existia fronteira, éramos uma só nação, um só mundo!!!
Trabalhei por umas duas horas e retornei para casa. Fiz alguma coisa para comer e fui ler um livro ao ar livre; ao fundo, bem baixo, uma música do Jonh Lennon tocava. "Imagine all the people / Living life in peace" Que música profunda, quem diria que um terráqueo involuído poderia ter acertado a respeito do nosso futuro... E ela continuava: "Imagine no possessions / I wonder if you can / No need for greed or hunger / A Brotherhood of man" ..
Coloquei o livro na cabeceira e lembrei que ainda não tinha completado a missão. Deveria regressar a outros planetas e tentar instruí-los para que, um dia, eles conseguissem viver como nós, terrícolas. Levantei e... e... As imagens ficaram embaçadas, as cores misturavam-se e, aos poucos fui perdendo os sentidos, não estava entendendo o que estava acontecendo. Escuridão! Será que morri? Não poderia ser. Ao longe, escutei um som de sirene policial. Aos poucos fui tomando consciencia do que havia acontecido, tinha sonhado com um mundo sem fronteiras, com um lugar melhor... Fiquei frustrado em saber que aquilo foi um sonho utópico e que a realidade é cruel e avassaladora.
Tentei voltar para o sonho, não consegui. Meu despertador começou a tocar transloucadamente, era hora de acordar, ter mais um dia exaustivo de trabalho, ter mais um dia para ganhar uma miséria e, quem sabe, ter algo decente para comer no final do mês...